sábado, 7 de maio de 2022

Antigos imaginários de verão

 A chegada das férias é sempre um motivo de entendimento na família. 

O desejo de cada um deve ser atendido. 

É só uma questão de diálogo e de boa vontade. 

Em geral, predomina a convergência de interesses. Tudo acaba em coco.
— Quero sombra e água fresca, diz o avô.
— Muito sol e agitação, retruca a neta.
— Mulher gostosa a dar com um pau, pensa o marido, no tédio dos 40 anos.
— Um lugar transbordando de gente legal, grita o adolescente da casa.
— Uma praia com um bom shopping, define a mulher.
— Dias lindos e não tão quentes, sonha a avó.
— Noites bacanas e muito calientes, delira o neto.
— Quero dormir cedo e descansado, planeja o pai.
— Quero dormir tarde e detonado, calcula o filho.
— Quero acordar cedo, informa o avô.
— Não me acordem antes das duas da tarde, ordena a neta.
— Ah, uma praia deserta, a natureza..., balbucia o avô.
— Deserta? Tô fora, berra o neto.
— Ah, uma praia com música tecno, exclama a neta.
— Os passarinhos, suspira a avó.
— Um bom DJ, suspira a neta.
— Não vou ser empregada de vocês na praia, avisa a mãe.
— Não lavo privada, alerta a filha.
— Não corto grama, diz o guri.
— A gente podia ir de avião, sugere a avó.
— De ônibus é pagar mico, reclama a neta.
— Vamos em nosso Gol, estabelece o pai. Duas viagens.
— Melhor não ir então, resmunga a neta.
— Não seria má ideia. Com o dinheiro economizado, faríamos uma boa reforma em nossa casa, especula a mãe.
— Outra reforma? Nunca. Prefiro passar o verão chamando argentino de meu galo, rebela-se o pai.
— Não precisamos levar o gato nem a tia, sugere a filha.
— Mas que fazer do bichinho, assusta-se a família inteira.
— A tia fica cuidando dele, resolve a menina, com um ar cândido. Todos ficam deslumbrados com a ideia.
— O calção que você comprou para mim é muito pequeno, mãe. A moda agora é outra. Quero um de surfista. Grandão.
— O biquíni que você me deu é muito grande, mãe.
— Mas é um fio-dental.
— Não se usa mais. É coisa de criança. Os modelos agora são outros.
— Ainda menores?
— Maiores. Mas, graças ao design, parecem bem menores.
— Qualquer dia vocês vão estar de calcinha na praia, escandaliza-se a avó.
— A moda agora é cuequinha de mulher, esclarece a neta.
— Ainda me lembro das praias do Nordeste, fantasia o avô.
— Quero ir para Atlândida, diz a neta.
— Meu negócio é Santa, informa o adolescente.
— Sem onda, pô, diz a irmã.
— Ficou doida? Com muita onda.
— Cancún é o meu sonho, confessa a mulher.
— Capão da Canoa, define o marido, contando os dias que ainda faltam para o fim das férias. 

— Se não quiserem, vamos para Arroio Teixeira. Escolham.
    Vão todos dormir excitados com a proximidade das férias e dos longos dias de descanso e paz. 

Nada como o verão para unir as famílias num projeto comum e sem idade.

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