sexta-feira, 13 de maio de 2022

A dívida do Brasil com os escravizados


Em “O Abolicionista”, Joaquim Nabuco, um dos maiores intelectuais brasileiros de todos os tempos, dizia com seu estilo contundente: “Tudo o que significa luta do homem com a natureza, conquista do solo para a habitação e cultura, estradas e edifícios, canaviais e cafezais, a casa do senhor e a senzala dos escravos, igrejas e escolas, alfândegas e correios, telégrafos e caminhos de ferro, academias e hospitais, tudo, absolutamente tudo que existe no país, como resultado do trabalho manual, como emprego de capital, como acumulação de riqueza, não passa de uma doação gratuita da raça que trabalha à que faz trabalhar”.

Uma doação forçada dos negros aos brancos.

      Os negros “doaram gratuitamente” o Brasil construído aos brancos, que nunca os indenizaram por isso. Sempre que alguém brada contra as cotas, eu penso nessa dívida jamais quitada. Somos todos beneficiados por essa “doação” obtida de maneira infame. Pensei nisso há alguns anos ao ler as declarações do então indigesto deputado Jair Bolsonaro ao ser questionado pela contora Preta Gil, no programa CQC, se aceitaria o relacionamento de seu filho com uma negra.

O infame Bolsonaro respondera que “não corria o risco” de ter um filho casado com uma negra, pois, gabou-se, “eles foram muito bem educados”. Bolsonaro deveria ler esse texto de Joaquim Nabuco. Mas seria inútil. Analfabeto intelectual, ele nunca o entenderia.

      Continuo a reler Joaquim Nabuco sobre o primeiro dever de qualquer um no século XIX: “Antes de discutir qual o melhor modo para um povo ser livre de governar-se a si mesmo – é essa a questão que divide os outros – trata de tornar livre a esse povo, aterrando o imenso abismo que separa as duas castas sociais”.

      Para Joaquim Nabuco não havia dúvida, “o abolicionismo deveria ser a escola primária de todos os partidos, o alfabeto da nossa política”. Tudo o mais era menor. Continua sendo. Precisamos abolir o preconceito. Enquanto os Bolsonaro da vida vomitarem infâmias será preciso combatê-los a golpes de Nabuco. Demora. A inteligência cala lentamente no concreto da estupidez. Como foi que elegemos presidente da República um ser grotesco capaz de declarações tão infames?    

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