sábado, 14 de maio de 2022

Com Houellebecq na Patagônia

 


 

Eu amo as viagens e as memórias fugitivas. Mas odeio os viajantes e os seus relatos. Especialmente quando eles são tristes e longos. Não sou o primeiro a pensar assim. Nem o último a cair em contradição. Talvez eu já tenha escrito isso antes. Adoro os pastiches e costumo me repetir. Entre mim e o meu célebre antecessor nesse tipo de frase, cuja sombra se eleva sobre o meu passado como uma árvore que perdeu as folhas, só há diferenças. Não me refiro, obviamente, ao que pode pensar qualquer um, vulgarmente falando, a respeito dos nossos percursos desiguais e das nossas estaturas incomparáveis. Remeto-me a coisas ainda mais simples. Não levei muito tempo para tomar a decisão de contar a viagem que fizemos – Cláudia, minha mulher, e eu, no final de 2007 – com o escritor francês, ganhador do prestigioso Prêmio Goncourt 2010, Michel Houellebecq à Patagônia. Bastou uma semana para que eu estivesse determinado a fazê-lo. Talvez até menos.

     Voltei da Argentina com o texto da quarta-capa do livro que talvez nas horas tristes viesse a escrever tilintando na minha cabeça cheia de ventos da Patagônia e de vinhos tintos de Mendoza. O estilo imitava claramente a retórica otimista e vazia dos marqueteiros amadores e dos escritores principiantes em busca do sucesso de vendas: “Uma reflexão profunda, embora leve, irônica e divertida, sobre o ato de escrever, o sentido da vida e a diferença entre pingüins e lobos-marinhos”. Sem dúvida, pode-se refletir sobre o sentido existência e da literatura a partir da experiência dos pingüins, dos lobos-marinhos e dos escritores em viagens de férias.

     Claude Lévi-Strauss morou nos trópicos e, depois de muito esperar, narrou, acima de tudo, a sua convivência com os índios brasileiros. Éramos todos índios naquela época. Isso não interessa. Vamos ao que deve ser contado. Nós fizemos uma reles viagem de turismo ao “fim do mundo”. Foram míseros sete dias entre Buenos Aires, Ushuaia, El Calafate e novamente Buenos Aires. Os tempos mudaram. Os exploradores também. Estamos na era da aceleração, das pizzas Hut e da vertigem tecnológica em tempo irreal. Não são apenas o frio, o pouco tempo, a natureza da viagem e o tipo de gente contatada que separam radicalmente a nossa “expedição” daquela imortalizada pelo antropólogo francês, mas essencialmente duas categorias circunstanciais: “dentro” e “fora”. Fomos ao exterior. Viajamos para o interior de nós mesmos. É essa narrativa que pretendo fazer aqui: a história de uma viagem ao interior de um homem – sem duplo sentido, por supuesto! Não fui para a cama com Michel Houellebecq – tendo como cenário a deslumbrante Patagônia argentina.


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